29/03/2023 às 13h48min - Atualizada em 29/03/2023 às 13h48min

Mais um capítulo do caso Marcius Melhem ganha repercussão

Entre acusações de assédio o ex-diretor se diz vítima de um complô dos colegas

Luciana Hage

Luciana Hage

Mini-bio: Relações Públicas. Mestre em Ciências da Comunicação.

São muitas as camadas nesse caso, assim como em todos os casos de violência contra mulher. É necessário analisar as circunstâncias e o contexto da relação que gera esse tipo de denúncia, que geralmente não é de brutalidade física ou de mensagens explícitas de cunho sexual. Há uma atmosfera de cuidado, preocupação e proteção até, entre vítima e assediador. Tudo isso gera confusões e as mulheres acabam sendo penalizadas e descredibilizadas em muitos casos.

É o que mostra os dois conteúdos produzidos pelo site/ canal Metrópoles exibidos no youtibe na última semana intitulados “Caso Marcius Melhem: elas falam” e “Caso Marcius Melhem: ele fala”. O primeiro reuniu 11 pessoas, entre atrizes, roteiristas, diretores e atores que falaram das denúncias e dos assédios que testemunharam ou sofreram. No segundo Marcius faz sua defesa diante do que foi dito no primeiro.

Os que acusam Marcius dizem que resolveram aparecer publicamente para se defenderem das versões que o ator/ diretor tem falado em entrevistas televisivas sobre mensagens de textos pinçadas sem contexto, segundo esse grupo, levando a opinião pública a duvidar das acusações que ele vem sofrendo na justiça.

Já Marcius desqualifica completamente toda e qualquer versão dessas pessoas, alegando que não houve em nenhum momento qualquer tipo de assédio e que todas as pessoas que o acusam não passam de ressentidos de seu sucesso. Diz ainda que há um verdadeiro complô contra ele para desmoralizá-lo.

Ainda que ele reconheça que em algum momento possa ter passado do ponto com alguma brincadeira, nenhuma das pessoas envolvidas o teria alertado sobre o potencial criminoso de suas atitudes e por isso ele não sabia que poderia estar sendo invasivo.

Ou seja, Marcius se coloca como vítima até quando reconhece que pode ter cometido assédio, alegando ignorância. Dentro da lógica dele quem foi assediado teria que avisar que é errado forçar um contato físico, por exemplo. É uma alegação comum em casos como esse.

Havia uma relação hierárquica entre acusado e acusadores. Isso é crucial e diz muito sobre os subterfúgios que mulheres usam para se esquivarem desse tipo de situação. Quem nunca ouviu uma cantada do chefe e fingiu não ter entendido, para não causar mais constrangimento e correr o risco de perder o emprego?

As mulheres são mestras em se fingirem de mortas diante de chefes abusadores porque sabem que a denúncia pode ser pior para elas, que além da exposição e do julgamento dos colegas, podem sofrer retaliações diante da falta de provas cabais da violência sofrida.

Pode parecer estranho, mas não é raro os casos de mulheres que se veem obrigadas, pelo medo, a manterem com seus abusadores uma relação amistosa e cordial. Por vezes até carinhosa, respeitosa e descontraída. São estratégias de sobrevivência.

Marcius alega que tem trocas de mensagens com todas as mulheres que o acusam e elas sempre o tratando bem, rindo e agradecendo a ele por algum trabalho realizado. E isso, na concepção dele, é a principal prova de que não cometeu assedio, já que nenhuma vítima teria para com um criminoso tamanha demonstração de afeto.

Mal sabe ele (dando o benefício da dúvida) que é assim que uma mulher sobrevive na selva de uma sociedade machista, sexista e misógina há séculos. Usar do humor, do desentendimento seletivo e sorrir são dispositivos fundamentais para evitar sofrimento. É rir pra não chorar, literalmente.

A situação é tão violenta que muitas mulheres, se quer, sabem reconhecer quando estão numa situação de violência e isso é assustador. A sociedade cumpre tão bem o papel de colocar as mulheres num lugar de servidão, que até quando casadas ou em uma relação estável têm a certeza de que devem estar disponíveis sexualmente aos seus companheiros, mesmo sem nenhuma reciprocidade. Logicamente por isso não se sentem violadas.

Um parêntese, dentro das relações estáveis as violências contra a mulher são comuns e bem mais difíceis de serem reconhecidas por elas, pois dentro da esfera privada o medo é redobrado, inclusive de morte. Notícias e dados mostram o quanto o feminicídio tem aumentado nos últimos anos.

Voltando ao caso de Marcius, ele alega que fora jogado como gestor sem qualquer preparação por parte da empresa, que deveria tê-lo ensinado a saber lidar com seus colegas na condição de chefia. Segundo ele, um treinamento ou capacitação o teriam feito enxergar o problema de ter relações tão próximas, e em alguns casos íntimas, com suas colegas de trabalho.

É bem curiosa essa perspectiva porque ele se coloca numa condição de um ser humano incapaz de compreender quão inadequado é (no mínimo) manter relações íntimas com qualquer mulher fora do casamento, considerando o acordo monogâmico, que aparentemente é o prevalecia no seu caso.

Não é plausível imaginar que um homem maduro, com bastante tempo de estrada percorrida na vida, acredite de fato que um treinamento ou capacitação da empresa em que trabalhava o ensinaria a não cometer qualquer tipo de assédio. Essa é uma argumentação frágil e inconsistente, que só pode partir de uma parcela da sociedade que se sente protegida dinate das leis e dos julgamentos sociais.

Sempre haverá justificativas contra as mulheres que denunciam abusos contra homens. A louca, vingativa, ressentida, má, insensível, aproveitadora, destruidora de lares, sedutora, imoral, etc. Enquanto eles são: bobos, coitados, fracos, incapazes, meninos, ingênuos e irresistíveis.

Hoje é possível falar mais e melhor sobre os cenários de assédio dentro das empresas, mas ainda está longe de ser confortável para uma mulher. O medo trava a maioria das denúncias, que se quer chegam a se tornar públicas. As empresas e as delegacias não costumam ser acolhedoras a ponto de encorajá-las a formalizar denúncias. As leis ainda são brandas para punir os criminosos. E em muitos casos elas pagam com suas próprias vidas o preço de não mais aceitarem ser violentadas.

Muito já se caminhou até aqui, mas é necessário avançar mais. Por isso eleger mais mulheres para os parlamentos brasileiros precisa ser uma prioridade de toda a sociedade. Enquanto as leis estiverem sendo pensadas por homens poucos serão os avanços.
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