12/05/2023 às 17h22min - Atualizada em 12/05/2023 às 17h22min

Rita Lee e o Feminismo da Ação

Mais que saber das teorias, ser feminista é subverter o sistema opressor

Luciana Hage

Luciana Hage

Mini-bio: Relações Públicas. Mestre em Ciências da Comunicação.

Hoje não tem um filme ou um livro pra indicar. Teremos mais que isso. A recomendação é devorar a obra de Rita Lee, grande artista brasileira que partiu essa semana aos 75 anos, deixando um vasto conteúdo para nosso deleite.

Lembrando que Rita escreveu duas autobiografias. A primeira em 2016 e a segunda, inclusive, deve ser lançada no próximo dia 22 de maio, dia de Santa Rita de Cássia, como era o desejo da artista. 
Ela nunca se definiu como feminista. Rita não gostava de definições óbvias. Disse em algumas ocasiões que não tinha muito conhecimento teórico sobre o feminismo, mas o entendia a partir de suas ações, que eram sempre no sentido de não se permitir ser enquadrada como uma mulher que deveria ocupar um determinado lugar.

Rita foi transgressora, irreverente e recusou a lógica de dominação patriarcal, que a reduzia a um órgão genital. Deu um nó na cabeça dos conservadores quando pregava a liberdade, inclusive sexual, das mulheres. E pagou o preço por isso. Foi presa várias vezes, inclusive quando estava grávida do primeiro filho, no período da ditadura.

A Rainha do Rock, título que recebeu pela obra belíssima nesse segmento musical, não se deixou abalar por quem dizia que para fazer rock tinha que ter culhões. A resposta dela foi direta: “eu vou fazer rock com o meu útero e com os meus ovários”. E assim o fez, brilhantemente.

Precisava dizer que era feminista? Não, né?! O feminismo não é um pacote de teorias prontas e acabadas que andam nas bolsas das mulheres para serem recitados como versículos bíblicos, para demonstrar com isso algum conhecimento acadêmico. Definitivamente não é isso.

O arcabouço teórico feminista é importantíssimo sim e deve ser respeitado. Mas ele sozinho não é nada. O feminismo é um pensamento político vivo, que só faz sentido a partir das vivências das mulheres, diante de um mundo pensado para acolher e valorizar somente os homens.

Ser feminista é se reconhecer como parte de um sistema de crenças que não quer que mulheres sejam protagonistas de suas próprias histórias. De um sistema que quer determinar quais papeis as mulheres devem ou não desempenhar na sociedade. E lutar contra isso todos os dias, da maneira que for possível.

Assim sendo, é impossível não ver Rita Lee como uma feminista. Mulher que transgrediu todas as regras do mundo a sua volta e trouxe para outras mulheres mensagens de protagonismo. 
Ela nunca escondeu o quão difícil foi viver a partir da hegemonia do pensamento machista, mas a partir da sua arte disse o que queria dizer e sofreu as consequências por isso.
Apesar do título de Rainha do Rock, ela não se limitou apenas a esse estilo musical, passou também pelo Pop, MPB e Bossa Nova. Atrevida ela! E isso deveria irritar muita gente, porque por onde passou fez sucesso e o público a amava ainda mais.

Rita disse certa vez que estava “pouco me f*dendo para a opinião dos outros” e que fazia o que queria fazer. Imagine o quanto era odiada por isso, principalmente pela parcela mais conversadora da arte e da sociedade também.

Ou seja, nada de regras ou de falsos moralismos. Rita nunca foi santa e nunca admitiu quem a colocasse nesse lugar. Era uma mulher que não aceitava ser rotulada com adjetivos fofinhos, meigos. Era uma mulher, mãe e esposa apaixonada pela família e filhos. E era também uma mulher cheia de desejos e os colocava em prática quando queria.

Alguns dizem que Rita não se posicionava politicamente. Como assim? Essa é uma acusação de quem não conhece a artista e sua obra. A vida de toda mulher é política, como disse a ativista Carol Hasch: “o pessoal é político”, logo a vida de Rita, assim como de todas as mulheres, é um ato genuinamente político.

Ela nunca precisou estar no palanque de um político ou declarar voto a nenhum deles, mas sempre falou de política em sua obra, especialmente quando usava sua voz de mulher branca e privilegiada para dizer que a mulher era dona de sua vida, ainda que as leis e as dinâmicas sociais fossem no sentido contrário.

Em 2021 quando descobriu o tumor no pulmão, Rita o batizou de Jair. Por que será, alguém advinha? (risos). Seu filho, Beto Lee, publicou esse fato em uma de suas redes sociais. Precisava falar de política? Não. Política se faz na vida, vivendo-a de forma a mexer com as estruturas de opressão. 

Rita Lee foi uma inspiração e seguirá sendo aos nossos descendentes. Todos vamos passar e a obra de Rita viverá, assim como de tantas outras artistas que se atreveram a romper com os dogmas sociais, que desprezam mulheres, especialmente as “desviantes”.

Viva Rita Lee! Viva o feminismo!
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