Passado o dia comercial das mães, ganhamos uma boa oportunidade para pensar sobre essa maternidade que é colocada para as mulheres como um objetivo de vida.
Pois bem, a maternidade atravessa todas as pessoas em sociedade, não somente às mulheres. A elas o tema é colocado desde muito cedo, nas mais corriqueiras atividades do cotidiano, quando, por exemplo, o dever dos afazeres domésticos ou do cuidado com os irmãos menores.
Mas perpassa também pelos homens a medida em que são colocados como um detalhe nessa dinâmica. Nunca são levados a pensar na responsabilidade de ter filhos ou de cuidar da família. De modo geral a eles cabem pensar no trabalho fora de casa.
Isso justifica o índice tão alto de mães-solo no Brasil. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, num intervalo de 10 anos essa categoria aumentou 17,8%, saindo de 9,6 milhões em 2012 para 11,3 milhões em 2022.
Ou seja, estamos ensinando muito bem as mulheres a serem mães, mas estamos esquecendo de ensinar os homens as responsabilidades de trazer uma pessoa ao mundo, que exige cuidados de mães e de pais também.
Que tal presentear os garotos com uma boneca ou com um conjuntinho de cozinha? Seria uma boa aprenderem a trocar fralda e a cozinhar, assim como fazem com as meninas, que logo cedo são situadas no mundo como àquelas que vão cuidar da casa, da família, dos filhos, do marido.
Não é dado a ela a opção de não querer ser mãe. Por isso desde sempre todas, a princípio, são levadas a acreditar, e as vezes a verbalizar publicamente, que devem ser mães em algum momento. Porque dizer que não quer ser mãe é quase um pecado mortal.
Então elas crescem, na maioria das vezes, sem saber se querem mesmo a maternidade, mas guardam em segrego esse conflito, e passam a se cobrar, em algum momento. As vezes se sentindo culpadas por não gestar uma criança, por motivos biológicos ou por escolha mesmo.
Aqui cabe um parêntese, tem mulheres que assumem o fator biológico de não engravidarem para esconder que o problema hormonal que impede esse quadro está na biologia do companheiro. Afinal é mais justificável, socialmente falando, que o problema seja ela, não ele. Patriarcado maldito! Fecha parêntese.
Mesmo quando mulheres, que a princípio não queriam ser mães, descobrem problemas hormonais, que impedem uma gravidez, é comum serem dominadas pelo sentimento de incompetência, como se não fossem mulheres de verdade. Se tornam quase “amaldiçoadas”, que jamais conhecerão o amor verdadeiro.
Tudo isso é cruel demais com as mulheres. E acreditem, existe muita gente que lucra com isso.
A culpa é um sentimento que o sistema capitalista usa muito bem para pressionar a mulheres a seguirem a cartilha conservadora direitinho. Usa a culpa para induzir a mulher a pensar que ser mãe é um sonho divino de todas, por isso estimula o banco de óvulos, as fertilizações, as barrigas solidárias e tantas outras técnicas.
Será que existe o desejo genuíno de ser mãe? Ou será que mulheres são levadas a pensar dessa forma para manter o status quo do mesmo jeito. Afinal, sem filhos não há trabalhadores, não há herdeiros. Não há como manter as coisas “no seu devido lugar”. Lembram da série “O Conto de Aia”?
E não estamos nem falando das mulheres lésbicas e transexuais que também sofrem pressão e ainda são vistas como desviantes do sistema e que, portanto, não são nem consideradas nas possibilidades de maternidade. Quando essas mulheres falam em ser mães são quase excomungadas.
Ou seja, não basta ser mulher, tem que ser a mulher certa para pensar em ser mãe. E se não quiser, ou não puder, ser mãe que esteja pronta para enfrentar os julgamentos e pressões sociais.
É preciso desmistificar o sagrado materno como destino das mulheres. É preciso que todos, todas e todes compreendam que o dever dos cuidados não é tarefa exclusiva das mulheres, mães ou não, deve ser de quem faz parte de um grupo familiar qualquer.
Não romantizar a maternidade é respeitar o direito de escolha das mulheres. Por isso é preciso falar da depressão pós-parto, das dores do amamentar, das noites não dormidas, do cansaço com a rotina de uma criança. E definitivamente inserir os homens nas responsabilidades desde crianças, como são as meninas.
É preciso eleger mais mulheres para ocuparem cargos na política e assim pensarem nos cuidados que as mães precisam ter quando têm de sair de casa para trabalhar fora e levar sustendo para a família. É inaceitável não haver creches suficientes para todas as mães.
Não podemos mais admitir que mulheres sejam punidas por serem mães. Ganhar menos, serem demitidas quando retornam da licença-maternidade, não serem contratadas por serem mães, não terem estruturas adequadas para levarem seus filhos aos lugares públicos. Tudo isso é desumano.
Faz-se urgente eleger mais mulheres para equilibrar essa balança social, que até aqui tem prejudicado a sociedade inteira e tem tirado delas o direito de escolha da maternidade.