19/05/2023 às 11h10min - Atualizada em 19/05/2023 às 11h10min

Abusador não é pai

a maternidade precisa ser desconstruída e repensada

Luciana Hage

Luciana Hage

Mini-bio: Relações Públicas. Mestre em Ciências da Comunicação.

Para fechar a semana pós-dia das mães, a indicação de filme dessa coluna para o final de semana é o filme “O Quarto de Jack”, um filme de 2016, classificado como drama/suspense.
É um roteiro tenso e claustrofóbico, que se passa em grande parte num cômodo construído como anexo de um lugar sombrio, onde acontecem vários tipos de violências contra uma mulher e seu filho, Jack.
 
O confinamento é um importante pano de fundo nessa narrativa, tanto do espaço físico quanto da mente daquela mulher, que se tornou mãe depois dos constantes abusos sofridos pelo homem que a sequestrou ainda adolescente.
 
As atuações magníficas de Brie Larson e Jacob Tremblay, mãe e filho, são de tirar o fôlego e arrancam lágrimas em boa parte do filme. Conflitos e fortes emoções são constantes também. Raiva, medo, revolta, amor e, principalmente, cumplicidade, costuram essa relação.
 
Num determinado momento da história é impossível não sentir a dor dessa mulher, que se viu obrigada a ser responsável por uma outra vida da qual ela não estava preparada para assumir.
 
Mesmo assim ela fazia o possível para que o filho não sofresse nenhum tipo de violência. Ela o protegia do abusador, que seguiu usando-a como objeto sexual por anos na presença do menino.
 
E acreditem, mesmo com todo esse esforço, esta mulher-mãe foi muito julgada, pela própria família, mas também pela opinião pública, por conta do desfecho que decidiu dar aos anos de sofrimento.
 
Mas é claro que nenhuma dessas pessoas seria capaz de se imaginar nas condições daquela mulher, vivendo o que ela viveu naquele cenário de dor e revolta para tomar uma decisão melhor.
 
Sem pretender fazer aqui um comparativo superficial com a realidade de outras mães, mas pinçando a questão do julgamento social que recai sobre elas de um modo geral, é revoltante as acusações a que elas são submetidas quando expõem suas dores nesse processo do maternar. São fracas se não conseguem amamentar, são ingratas se reclamam do cansaço, são menos mães se não preparam a alimentação do filho, se não esquentam a mamadeira, se não trocam a fralda. Ufa! Não dá!  
 
No caso do filme, trata-se de uma menina que ffo constantemente abusada, que não desejou ser mãe e que claramente não tinha maturidade para tanto e mesmo assim fez sacrifícios para que o filho tivesse o menor sofrimento possível. Como julgar essa mulher diante disso? Não é possível. É cruel demais.  
 
A maternidade é um tema que atravessa a toda a sociedade, homens e mulheres, portanto precisa ser tratada com humanidade, sem romantização, sem endeusamento sagrado da mulher. 
 
A mulher é o ser humano que carrega biologicamente, e socialmente, as maiores responsabilidades dos cuidados com os filhos, por isso não há que ser divinizada, pois isso a coloca numa posição de superpoderosa, infalível e incapaz de errar. Ou seja, se torna desumana.
 
Se por escolha ou não, num ato de troca de afetos ou num ato violento, a mulher deve ter o direito de escolher se tornar mãe. Esse assunto precisa ser tratado com seriedade e sem falsos moralismos, que só levam o debate para a lama e não ajudam em nada a resolver esse problema.
 
Voltando a falar do filme, a temática principal de “O Quarto de Jack” não é a maternidade em si, mas as dores a partir de uma maternidade imposta, indesejada e fruto de abusos sexuais, que obriga a mulher a ter que assumir a vida de uma outra pessoa como parte da sua.
 
Os desdobramentos dessa história nas personagens principais, mãe e filho, são os pontos altos do filme, que confronta a audiência a pensar sobre a fragilidade e os conflitos humanos entre aqueles que são submetidos a constantes violências e precisam ser ressocializado quando essas violências sessam.
 
Nem de longe é um filme leve, mas é um filme maravilhoso para pensar sobre os limites do corpo e da alma de pessoas numa situação de sobrevivência.
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