22/03/2023 às 11h26min - Atualizada em 22/03/2023 às 11h26min

Nós, sobreviventes do ódio”, o mais recente livro de Cristina Serra Crônicas de um país devastado, pela pandemia e pelo Estado

Luciana Hage

Luciana Hage

Mini-bio: Relações Públicas. Mestre em Ciências da Comunicação.

Imagem: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
A jornalista paraense Cristina Serra retornou a Belém para o lançamento do seu livro “Nós, sobreviventes do ódio: crônicas de um país devastado”. Nele há um compilado de textos que ela publicou entre os anos de 2020 e 2023, mais especificamente até 8 de janeiro de 2023, em sua coluna no jornal Folha de São Paulo.

No evento, que aconteceu no Palacete Faciola no último dia 14 de março, Cristina falou para uma plateia de convidados sobre o que espera ser sua obra. Disse ela: “não quero direcionar a leitura de ninguém, mas vejo esse livro como um registro de um período muito importante da história do Brasil”.

É possível que, sem querer, ela tenha direcionado os leitores sim. Contudo isso não é um fator negativo, pois o público tem muito interesse em saber como uma profissional do porte de Cristina Serra elaborou intelectualmente as questões cruciais vividas no Brasil até o início de 2023.

O livro traz 224 artigos no total, com análises políticas dos 3 últimos anos do governo Bolsonaro em diversas áreas, especialmente na gestão da pandemia de Covid-19 e nas questões socioambientais. E deveria encerrar com a posse do novo Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva.

Os planos da jornalista e da editora mudaram em decorrência dos atos terroristas de 08 de janeiro, quando aconteceu a invasão da sede dos três poderes em Brasília no início de 2023. Sobre isso Cristina escreveu no texto intitulado “União Pela Democracia”, onde afirma que: “O que aconteceu em 8 de janeiro vai reverberar por muito tempo no Brasil e até no exterior. Democracias no mundo inteiro devem estar unidas para enfrentar o fascismo”.

Possivelmente não há, entre os democratas, que se contestar a relevância do que os golpistas proporcionaram naquele fatídico dia. Será um importante demarcador na história brasileira, que precisará ser melhor elaborado para ser contato e jamais ser esquecido.

Outros acontecimentos nesse período se destacam nas crônicas de Cristina, entre eles: o início da empreitada de políticos, incluindo o ex-presidente, para valorização da atividade garimpeira de forma ilegal na Amazônia, retratado no texto “Ignorância e Cumplicidade”, de 03 de março de 2020, que aponta a invisibilidade dos povos originários e de como isso expôs suas vulnerabilidades. Os desdobramentos da CPI da Covid ganharam mais de um texto, como o “O Vacinagate de Bolsonaro”, que tratou da pressão que o servidor do Ministério da Saúde, Luís Ricardo Miranda, teria sofrido para liberar uma nota fiscal de compra de vacinas inexistentes.

Entre tantos fatos relevantes, o título do livro veio da coluna escrita em 20 de setembro de 2022. “Nós, sobreviventes do ódio” lembrou das falas frias do ex-presidente diante da tragédia que vitimou quase 700 mil pessoas. Relembrou também a postura soberba do então ministro da economia para com as empregadas domésticas, além do caso escandaloso que envolveu pagamento em ouro ao MEC.

Diante disso tudo a autora argumentou diante dos convidados que os, e as, sobreviventes são todos, e todas, que não sucumbiram ao Coronavírus nem ao ódio que tomou conta da sociedade brasileira. Disse ela: “Perdemos muito nesse período. Pessoas queridas se foram com a doença e outras foram contaminadas com um vírus ainda pior, o ódio”.

Esse ódio, inclusive, tem sido objeto de estudo de intelectuais e ativistas de diversas áreas. No livro “O Ódio como Política”, Esther Solano Gallego reuniu textos que retratam bem o avanço da radicalização da política brasileira a partir das manifestações de 2013. Quem não lembra do “O gigante acordou!” ou o “Não é só 20 centavos”.

O ódio à política e aos políticos, de maneira mais específica, levou para as ruas de todo o país a ideia de que nenhum político presta e por isso não mereciam mais o apoio do povo. Nesse momento os discursos rasos ganharam força porque deixou-se de enxergar a política como um instrumento da sociedade para conquistas de direitos e passou-se a coloca-la apenas como reflexos de ações partidarizadas. E colocando as legendas dos partidos mais à esquerda como culpados pelas mazelas do país naquele momento, construindo assim um sentido falso de apartidarismo.

Por isso o livro de Cristina Serra é sim um importante registro da história, pois traz textos potentes sobre esse sentimento nefasto que, literalmente, matou muitas pessoas. É também, com certeza, um instrumento para compreensão do contexto político que o Brasil enfrentou nos últimos anos. Para além da linguagem acessível e consistentes, essa obra é relevante por ser a autora uma mulher amazônida.

Esses marcadores, mulher e amazônida, colocam Cristina Serra num lugar relevante para a compreensão do quanto o Brasil ainda é um país pouco amistoso para as mulheres que estão envolvidas com a política, sejam parlamentares ou jornalistas. Ainda que hajam bem mais mulheres que há uma década a terem espaços nos grandes veículos de comunicação, faltam mulheres Nortistas a falarem de Amazônia, por exemplo.

Além de Cristina Serra, que outra mulher da região tem um espaço midiático relevante para ampliar as discussões sobre Amazônia? Por isso a obra dela ultrapassa a linha jornalística e ganha contornos históricos, pelos retratos da realidade que ela aborda e por sua trajetória profissional em si.

O Governo do Pará compreendeu isso também, tanto que o livro “Nós, sobreviventes do ódio” será o destaque na programação da edição 2023 da Feira Pan-Amazônica do Livro, que acontecerá em Belém, provavelmente no segundo semestre. A informação foi dada pela Secretária de Cultura do Pará, Úrsula Vidal, que esteve presente no evento de lançamento da obra.

Trata-se de um livro sério, escrito por uma profissional da comunicação que esteve, e está, perto dos principais acontecimentos da história da política do Brasil. Por isso, vale muito o esforço de ler os textos desse livro para compreender os dias de hoje e o porvir.
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