16/08/2023 às 12h53min - Atualizada em 16/08/2023 às 12h53min

A Rebeldia de Cristina

Entre o poder, a igreja católica e a suposta homossexualidade

Luciana Hage

Luciana Hage

Mini-bio: Relações Públicas. Mestre em Ciências da Comunicação.

Essa semana fui estimulada por uma grande amiga a ler “O Príncipe”, de Nicolau Maquiavel. Parece boçal, não é?! Mas, acreditem, não tem nada nesse sentido. O livro já morava na minha estante há alguns anos e eu nem tinha planos de lê-lo.

A edição indicada foi exatamente a que eu tinha. Achei tão engraçado isso, era muita especificidade. Trata-se da edição de 2007, da editora Jardim dos Livros. E entendi o motivo da indicação logo que prestei atenção na capa, onde há a seguinte frase, abaixo do título, “com comentários de Napoleão I e Cristina da Suécia.

Nada, ou tudo, contra a Napoleão I, ainda não sou capaz de opinar sobre isso. O fato é que queria saber o que Cristina da Suécia teria a dizer nessa conversa toda de Maquiavel. Quem seria a moça, que mereceu um “subtítulo” de O Príncipe?

A essa altura, desculpe aí, Maquiavel, mas tive que parar a leitura para saber mais sobre Cristina. Já faz alguns anos que tenho me interessado muito pelo que as mulheres têm a dizer sobre assuntos diversos, que não àqueles triviais, que até hoje, esperam delas.

Textos e videoaulas me trouxeram mais informações sobre essa personagem tão instigante. Lógico que isso não me faz uma profunda conhecedora da vida de Cristina, mas me fez pensar o quão próxima dela estão algumas mulheres até hoje. Aqui, me refiro a figura pública que atuou fortemente em uma área dominada por homens, a política.

Já em seu nascimento, em 1626, Cristina provocou um grande choque, pois os médicos não conseguiram dizer se o bebê se tratava do sexo feminino ou masculino. Somente depois de seis horas decretaram que se tratava de uma menina. Seria ela uma pessoa intersexo? Talvez. Esse fato vai refletir na vida adulta da monarca.

Em 1932 ela ascendeu ao trono, tendo apenas seis anos de idade, depois da morte de seu pai na, posteriormente conhecida, Guerra dos 30 anos, onde ele havia lutado em defesa dos protestantes contra os católicos. Cristina ficou tutelada até completar seus 18 anos, quando passou a atuar verdadeiramente como rainha da Suécia.

Cristina fugia completamente aos padrões da época, pois fora educada como se fosse um homem, tendo acesso a estudos, a montaria e a esgrima. E se vestia como um homem, tinha uma postura mais firme e autoritária. Por isso, não demorou a surgir boatos que a moça não gostava de homens. Isso me fez lembrar de uma certa presidenta brasileira.

A vida da rainha piorou quando resolveu desafiar o Conselho Maior do Estado ao dizer categoricamente que jamais se casaria e, tampouco, teria filhos. Isso a desqualificava completamente, pois essa era uma das tarefas mais importantes das mulheres. Ainda hoje também o é, respeitando as devidas proporções de tempo e contexto.

A aversão ao casamento e à maternidade reforçaram a ideia de que a orientação sexual de Cristina era desviante dos padrões, situação que a própria alimentava, como uma forma, talvez, de chocar aquela sociedade, um prazer degustado por ela constantemente.

O fato é que, sendo lésbica ou não, a rainha desistiu de seguir na vida pública em seu país. Ela abdicou do trono, o entregando ao seu primo, e foi embora para Roma, onde se converteu ao catolicismo, contrariando, mais uma vez, os padrões de seu país.

Abdicar da carreira política e quebrar com os padrões vigentes, especialmente quando atuam em linha de frente, ainda são questões para as mulheres modernas, que se veem, muitas vezes, obrigadas a desistir de seu protagonismo em nome do bem-estar de si e dos seus.

O “erro” de Cristina jamais fora perdoado pelo seu país, que a ignorou completamente quando tentou voltar ao posto de rainha. Foi considerada traidora por ter se tornado católica, escandalizando o povo e a corte.

Errar não é uma opção para as mulheres na política, podendo isso se reverter em apagamento público, principalmente se elas ousarem estar nos postos de mais alto valor, como o de governadora e presidenta. Dilma Rousseff e Ana Júlia Carepa (ex-Governadora do Pará) me ocorreram como exemplos dessa situação.

De Cristina da Suécia à Dilma Rousseff seguimos assistindo mulheres sendo postas em dúvidas em suas competências politicas porque ousam não se conformar com o anonimato, ou com as sobras, que os homens costumam lhes oferecer de muito bom grado.

Mulheres não são mais, ou menos, competentes que os homens, são tanto quanto eles. Elas não são boazinhas, meigas e gentis sempre, assim como eles também não são. O desafio é fazer da política um campo de equilíbrio de forças, onde elas não sejam “convidadas” a se retirar constantemente.

Essas foram algumas das minhas reflexões sobre o que aprendi lendo um pouco mais de meia dúzia de páginas de “O Príncipe”. Maquiavel acabou, até aqui, em segundo plano. Mais uma vez, desculpa aí.
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