Mini-bio: Relações Públicas. Mestre em Ciências da Comunicação.
Acusações de violência sexual envolvendo jogadores de futebol brasileiros, e atletas de um modo geral, não são exatamente uma novidade. Vejam só o caso do consagradíssimo treinador Cuca, que fez fama no Atlético Mineiro por várias temporadas, se destacando na campanha de 2020.
Esse caso caiu no esquecimento do grande público por um longo tempo, ajudado pela grande imprensa esportiva, que constantemente finge não saber do passado nebuloso de atletas acusados, ou mesmo condenados, por crimes contra mulheres.
O caso aconteceu em Berna, na Suíça, em 1987, quando Cuca era jogador do Grêmio. Ao lado de Eduardo Hamester, Henrique Etges e Fernando Castoldi, Cuca foi detido pela polícia local sob a acusação de violência sexual contra uma MENINA DE 13 ANOS! Vou repetir, UMA MENINA DE 13 ANOS!
A investigação aponta que a MENINA DE 13 ANOS, acompanhada de alguns amigos, foi atrás dos jogadores brasileiros para pedir uma camisa a eles. Chegando no quarto os jogadores teriam expulsado os amigos e aí teriam iniciado a violência contra a MENINA DE 13 ANOS.
Os acusados ficaram presos por 30 dias, foram liberados e retornaram ao Brasil. O processo seguiu por lá e depois de 2 anos os acusados foram condenados, à revelia, por 15 meses de reclusão. Mas, como o Brasil não extradita seus cidadãos, os condenados não cumpriram suas penas e seguiram suas vidas normalmente em solo brasileiro.
Todos tiveram sucesso em suas carreiras e se aposentaram como jogadores. Cuca foi o que mais se destacou e investiu na carreira de treinador, seguindo por muitas décadas como uma das mais importantes referências do futebol brasileiro, como se nada tivesse acontecido.
Mas os tempos são outros, ainda bem! Não é mais admissível simplesmente “esquecer” dos crimes impunes de quem quer que seja, como se eles não tivessem acontecido. Principalmente nesses casos, que envolvem personalidades de segmentos da sociedade que afetam diretamente outras pessoas com promessas de realização de sonhos. Lembrando que o futebol é uma das poucas possibilidades que meninos, sobretudo, pobres veem de ganhar dinheiro e fama.
Nunca foi só futebol. Há quem diga até hoje que não se deve misturar política com futebol. Como não? Nosso cotidiano é definido por política. O valor da passagem de ônibus é definido por acordos políticos entre administração pública e empresários. O valor dos impostos que pagamos é decido pela política econômica. O acesso à saúde pública é um projeto político. A carteira assinada, ou não, é definida pela política.
É preciso parar de ver a política como atributo exclusivo de parlamentares. Não! Política está na vida cotidiana. Nas escolhas coletivas, nas decisões comunitárias, na linha editorial de todo e qualquer veículo de comunicação. E nisso não há problema nenhum. O que não pode é fingir que não há cunho político na omissão de atos criminosos de atletas, artistas, parlamentares etc.
O futebol, assim como todas as modalidades esportivas, tem suas políticas de contratação, de dispensa, de comunicação, de relacionamento com seus torcedores, de definição do valor dos ingressos, da participação ou não em um campeonato. Na eleição de seus dirigentes, na representação de classe, no repasse de verba. Enfim, dentro ou fora das quatro linhas do campo, o que não falta é política.
Um esporte de massa, como o futebol, tem papel fundamental nas dinâmicas da sociedade brasileira. O comportamento dos atletas, e dos clubes, interfere diretamente no comportamento das torcidas e dos torcedores. Não faz mais sentido o entendimento de que o dentro e o fora de campo não tem nenhuma ligação. Ambos se afetam mutualmente e constroem aquilo que se quer mostrar sobre o esporte e sobre as pessoas que o fazem.
Robinho usou a mesma estratégia de Cuca para não cumprir sua pena na Itália, onde também foi condenado por violência sexual contra vulnerável. Em desfavor de Robinho ainda há provas mais concretas, pois a polícia italiana gravou áudios do jogador confessando o crime. Mas ele segue feliz, alegre e forte pelas praias do litoral paulista. As vezes até participa de manifestação antidemocrática no tempo livre.
O goleiro Bruno, condenado a 22 anos de prisão pela morte de Elisa Samúdio, segue em pleno gozo de liberdade, inclusive recentemente foi recebido calorosamente pelo Orion Futebol Clube, time de várzea de São Paulo. Grava vídeos para suas redes sociais e é seguido por pelo menos 107 mil pessoas. E ontem (24) teve seu pedido negado e provavelmente terá de pagar uma indenização ao seu filho, no valor de R$650 mil.
Esses casos escancaram a injustiça sofrida por mulheres. Homens, mesmo que condenados, terão sempre suas segundas, terceiras e todas as chances que quiserem ter. E serão acolhidos pela sociedade, que na maioria das vezes tende a julgar a mulher pela violência sofrida.
Até hoje Elisa Samúdio é desqualificada por ter sido garota de programa. A vítima de Robinho pelo estado de embriaguez no momento do crime. A MENINA DE 13 ANOS por se atrever a ir atrás de ídolos no quarto de hotel.
Pelo menos, ao que parece, Cuca terá sua condenação pública, pelo menos. A pressão da torcida feminina, com apoio primordial dos homens, tem tudo para surtir efeito e o treinador tem grandes chances de não permanecer no Timão. Principalmente depois da derrota para o Goiás no último dia 23 de abril.
Há rumores que o técnico pediu para sair, mas o clube nega a informação. Se o ditado popular fizer sentido, onde há fumaça há fogo, não deve demorar muito para a informação ser concretizada. Mas é claro que com todo o cuidado para proteger a imagem do grande ídolo Cuca (ironia).
São pequeníssimas as vitórias e elas são fundamentais para que a luta por mais direitos para as mulheres siga firme e forte. O desejo é de justiça, não de vingança, pois se assim o fosse, não estaríamos clamando por justiça dentro do processo legal que exige o Estado Democrático de Direito.
Portanto, queridos, queridas e querides, Política, Religião e Futebol se discute. E muito.