14/04/2023 às 13h54min - Atualizada em 14/04/2023 às 13h54min

Razão e Sensibilidade. Orgulho e Preconceito

Dois filmes para pensar o antes, o agora e o depois de uma sociedade pensada por e para os homens

Luciana Hage

Luciana Hage

Mini-bio: Relações Públicas. Mestre em Ciências da Comunicação.

Luciana Hage
Duas indicações de filmes, baseados em livros, estão no catálogo da Netflix e podem ser boas opções para quem deseja entender as dinâmicas sociais da Inglaterra do século XVIII, que podem ter sido realidades em muitas outras sociedades do mundo. São eles: Razão e Sensibilidade e o Orgulho e Preconceito.

Ambos foram inspirados nos aclamados romances de Jane Austen, lançados em 1811 e 1813. E importantes nomes de Hollywood, como: Ema Thompson, Kate Winslet, Hugh Grant, Keira Knightley, Rosamund Pike e Mattew Macfadye deram vida à personagens marcantes

Nas duas histórias as mulheres são o centro das tramas. Em Razão e Sensibilidade, lançado em 1996, uma mulher que ficou viúva se vê, junto com suas três filhas, diante da humilhante situação de entregar sua casa e seus bens para o filho do primeiro casamento de seu marido. Isso porque na época, a herança era passada de pai para filho, não de pai para filhas e esposas. E elas ainda têm de enfrentar o julgamento da sociedade que as desprezam diante da nova condição econômica que se encontram.

Em Orgulho e Preconceito, lançado em 2006, a família é composta pelo pai, pela mãe e suas cinco filhas. Cabendo a mãe a dramática preocupação de “casar bem” todas elas. No decorrer da história chega a ser caricato o desespero dessa mãe, julgada por uma de suas filhas e por toda a sociedade, por fazer o que for possível para garantir que todas encontrem maridos, de preferência de boas posses. O pai aqui é uma figura secundária, e meio blasé até, parecendo não se preocupar com o fato de ter que pensar em dotes para casamentos de suas filhas.

Nos dois filmes as mães têm papeis fundamentais na condução das histórias de suas filhas, numa a mãe é uma calmaria, serena e pacífica, talvez crente que o futuro será generoso para elas. Mas sempre atenta às oportunidades que surgem para um casamento dentro das normas vigentes, é claro.

Na outra há uma mãe tensa, nervosa que busca o tempo inteiro chamar a atenção do marido para a urgência de que suas filhas se casem. De forma cômica essa mãe se desespera em vários momentos, e em outros enfrenta o julgamento por estar tão focada em cumprir essa missão. 

Em Razão e Sensibilidade, no decorrer de todo o roteiro há um clima de angústia das mulheres adultas da família protagonista, que tentam a todo instante se equilibrarem com os recursos financeiros limitados (para o padrão que tinham antes). Porque vale ressaltar que, nem de longe, trata-se de uma família pobre, mas de uma família que perdeu boa parte de seus privilégios sociais.

Mesmo nas famílias periféricas dessa história não é difícil sentir o peso das mulheres, que passam uma vida inteira sendo preparada para um único destino, serem esposas. As mulheres de famílias ricas têm casamentos arranjados, estimulados por dotes generosos pagos aos noivos pretendentes. Mulheres pobres sonham com um noivo rico, mas são facilmente descartadas pelas famílias que não se deixam “misturar” por diferentes realidades econômicas. 

Um bom casamento, então, era a melhor saída para essas mulheres. Na história de Razão e Sensibilidade há muita romantização na busca, meio que despretensiosa, por um arranjo vantajoso, financeiro e social, para as personagens principais, mas fica claro que é esse o caminho que as mulheres são levadas a desejar.

Em Orgulho e Preconceito, apesar de trazer em uma de suas personagens principais, uma mulher que aparentemente quer a todo custo fugir da obviedade de um casamento, também é conduzida ao desejo de encontrar o amor por um homem. E assim a história de Elizabeth e Sr. Darcy é construída, entre mal-entendidos, conflitos e desencontros, mas ambos se esforçam até o fim para ficarem juntos.

Aqui vale retomar a personagem da matriarca dessa família, que de maneira injusta é constantemente ridicularizada, inclusive pelos seus, por carregar solitariamente a obrigação de encontrar os maridos para suas filhas. 
Há uma cena que expõe exatamente a tensão dessa missão. A filha Elizabeth repreende a mãe ao vê-la aliviada e alegre a comemorar o fato de receber a notícia que uma de suas filhas mais novas, que havia fugido com um militar, casou-se com o homem numa cerimônia com toda a pompa e circunstância que se esperava. A mãe responde alguma coisa como: “quando você tiver cinco filhas você poderá me julgar”.

Olhando para esses dois filmes, é possível constatar, que naquela época, as mulheres não tinham muitas opções a considerar. Mesmo que fossem letradas, dedicadas artistas, e com tantos outros talentos, a elas não restavam muitos espaços sociais para se pensar em outras possibilidades, que não a do matrimônio, que acabava por ser tornar o melhor caminho.

Sobre isso, uma das mais importantes autoras feministas da atualidade, Silvia Federici, escreveu “Mulheres e Caça às Bruxas”, nele ela descreve em detalhes, exatamente, como a dominação das terras pelos detentores do poder econômico na Inglaterra, inclusive a Igreja Católica, colocou mulheres na condição de amaldiçoadas por não terem maridos ou por não aceitarem se moldar às regras vigentes. 

Muitas delas se rebelavam contra esse sistema, incomodavam os poderosos publicamente e pagaram, em muitos casos, com a própria vida, tendo seus corpos ardendo em chamas em praças públicas, literalmente. A razão para tamanha brutalidade era, como afirmou Federici, “uma resposta às exigências mais assertivas das mulheres por autonomia e independência econômica ou, mais simplesmente, uma reação negativa contra a ascensão do feminismo”.

Para a autora essa dinâmica reverbera até hoje, pois as violências contra as mulheres não cessaram com o fim da caças às bruxas, elas se transformaram em várias outras dinâmicas, tornando-se, sobremaneira, normatizada.
Então, tanto Razão e Sensibilidade quanto Orgulho e Preconceito são obras romantizadas de épocas distantes, mas podem ser também, boas referências para entender como as mulheres eram conduzidas em seus desejos no passado e como elas seguem, de alguma forma, sendo conduzidos até os dias atuais.

Boa sessão!
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