Mini-bio: Relações Públicas. Mestre em Ciências da Comunicação.
O caso da Professora Isabel Oliveira, que tirou a roupa em um supermercado no Paraná, em protesto a uma abordagem silenciosa e agressiva de um funcionário, ganhou repercussão nacional no final de semana da Páscoa desse ano.
E esse é um caso importante para pensar sobre as interseccionalidades com as quais os corpos femininos são atravessados. No caso em questão, trata-se de uma mulher, negra e da classe trabalhadora. Três recortes para entender os diferentes níveis de violência que uma mulher é submetida. É uma excelente oportunidade também para refletir sobre o papel fundamental dos movimentos feministas, sobretudo o feminismo negro, na construção de uma sociedade mais igualitária e justa para todos.
bell hooks, uma importante teórica feminista disse, em um de seus textos, que é indissociável a análise racial e de classe social para se pensar a construção do movimento feminista nos EUA. No Brasil Lélia Gonzalez também avaliou a questão de forma parecida, falando de mulheres na América Latina.
Ambas as autoras partem de suas vivências, enquanto mulheres negras, para confrontar a sociedade, especialmente o movimento feminista de mulheres brancas, que exclui corpos plurais de suas pautas à medida que desconsidera os recortes raciais de seus debates.
Quando a Profa. Isabel decide expor seu corpo em praça pública para escancarar as muitas violências que sofreu com esse episódio, ela o faz, provavelmente, como último recurso para ter sua voz ouvida pela sociedade, que tantas vezes lhe fechou olhos e ouvidos, além de se silenciar diante de atos racistas.
Ela contou que ao se sentir vigiada pelo funcionário do supermercado o questionou para saber se estaria a fazer alguma coisa que merecesse uma atenção tão focada dele. A resposta foi negativa, mas o gesto foi compreendido afirmativo.
A pergunta que fica é: se fosse ela uma mulher branca receberia a mesma atenção do funcionário?
Não conformada com a situação ligou para a polícia e pediu que uma viatura fosse até o local para averiguação de denúncia de racismo. Mas como, no entendimento da agente que a atendeu, não houve recusa do funcionário em atendê-la e nenhuma palavra de cunho racista foi proferida, a viatura não poderia ser deslocada.
A pergunta que fica é: se fosse ela uma mulher branca e de classe social abastada a se queixar de perseguição de um funcionário num supermercado da área nobre, a polícia teria o mesmo entendimento na ocorrência?
Diante de tantos “nãos” a professora saiu do supermercado de mãos vazias e foi inconformada para sua casa. Mas o cansaço da indiferença sofrida ao longo de 43 anos de vida, a fez retornar ao supermercado e chegando lá tirou a roupa e mostrou publicamente a frase que desenhou seu corpo seminu “sou uma ameaça?”
E assim, vestida apenas com suas peças íntimas, foi à gôndola e pegou uma lata de leite, um dos itens que compraria anteriormente, se dirigiu ao caixa para efetuar sua compra e provar que ela nunca fora uma ameaça àquele lugar.
A frase questionadora no corpo da professora remete a uma outra frase que diz: “e não sou eu uma mulher?”, dita por Sojourner Truth, num discurso de improviso na Convenção das Mulheres de Ohio, em 1851. Na ocasião ela questionava os posicionamentos de que as mulheres teriam que ser ajudadas a subir e a descer das carruagens e serem carregá-las para atravessar um lamaçal.
Na condição de mulher negra, Sojourner Truth queria entender o porquê de nunca um homem fazer-lhe tamanhas gentilezas. Claramente ela compreendeu que as mulheres de pele preta não estavam contemplavas como dignas, ver quer, de atos gentis, tampouco de direitos daquela sociedade. Mal saberia ela que, mais de um século e meio depois, as coisas mudariam muito pouco ou quase nada.
O passado e o presente se fundem no caso da Profa. Isabel para mostrar que quando uma mulher negra se levanta e grita suas dores todas as mulheres precisam se unir em sua volta para gritar juntas.
Hoje é possível contar com a amplitude das redes sociais, que podem ser uma importante aliada no sentido de congregar mais mulheres em torno do debate de pautas mais inclusivas, capazes de contemplar as diversidades de gênero, raça e classe.
Infelizmente o caso da Profa. Isabel não será o último, considerando que não se trata de um caso isolado, muito pelo contrário. Casos como dela podem estar ocorrendo nesse momento em muitos lugares e estão passando despercebidos ou sendo absorvidos com alguma normalidade.
Mas não há nada de normal, ou natural, em julgar uma pessoa pela cor da sua pele, no sentido de determinar quem é digno ou não de direitos. O desejado é que casos assim nunca mais se repitam, mas em acontecendo, que ganhem visibilidade para não normalizar uma mulher negra como potencial ameaça a qualquer espaço, público ou privado.