31/03/2023 às 12h19min - Atualizada em 31/03/2023 às 12h19min

Adoráveis mulheres, os homens explicam tudo para mim

Para pensar sobre feminismo e a arrogância da sociedade masculina

Luciana Hage

Luciana Hage

Mini-bio: Relações Públicas. Mestre em Ciências da Comunicação.

É bom começar com o “nem todo homem”, para não ofender os leitores que, por ventura, possam se sentir ofendidos com o subtítulo desse texto.
A coluna de hoje traz duas sugestões para reflexão na vida. A primeira é um filme, “Adoráveis Mulheres” e o outro é um livro “Os Homens Explicam Tudo Para Mim”. Ambas com temáticas femininas e feminista para pensar sobre as formas de silenciamento sofridas por mulheres ao longo de séculos.
Adoráveis Mulheres é um filme de 2020, vencedor do Oscar de Melhor Figurino. Foi escrito e dirigido por Greta Gerwig, com roteiro adaptado do livro “Mulherzinhas” de Louisa May Alcott, publicado em 1868. A obra audiovisual está disponível no catálogo da Netflix.

A história é sobre as irmãs March, quatro mulheres de personalidades diferentes ligadas por um amor parental verdadeiro e também pelo amor às artes. É a história de quatro universos bem diferentes, que conseguem conviver na maior parte do tempo em harmonia.

A personagem principal, Josephine March, ou simplesmente Jô, é uma mulher bem atrevida para o seu tempo. Ao contrário de suas irmãs, ela não tem sonho de casar, ter filhos ou viver um grande amor. Seu maior desejo é ser escritora e para isso aceita por algum tempo escrever textos que atendam a expectativa do mercado leitor da época sobre o papel da mulher naquela sociedade do final do século XIX, ou seja, de subserviência, delicadeza e sem protagonismo.

A irmã mais nova é a Amy, que quer ser reconhecida pela delicadeza de suas pinturas, mas acredita não ser boa o suficiente para isso. Já Meg, ainda que sonhe em ser atriz, se entrega ao amor por um professor sem muitas posses. E Beth, uma pianista incrível que não acredita no seu próprio talento e segue uma vida inteira sem brilho.

É um filme um pouco angustiante porque acompanha-se quatro mulheres incríveis, com potenciais para se destacarem nas áreas artísticas que escolheram, mas são levadas o tempo inteiro a se veem como seres inferiores, a depender quase sempre da validação de um homem, seja o pai, o pretendente, o marido, o vizinho ou o editor.

Fica aquela sensação do que poderia ter sido se elas tivessem conseguido seguir seus sonhos e desejos pela vida. Essa é uma sensação, inclusive, conhecida até hoje, em pleno século XXI.

Infelizmente ainda em tempos atuais não é raro ver mulheres tendo que se encaixar nos papeis sociais impostos pelas sociedades, que são pensadas para atender aos homens e darem a eles o direito de sonhar, desde a infância, e a realizar esses sonhos de forma ilimitada. Claro, desde que não estejam relacionados os papeis tido como femininos.

Quase dois séculos separam esse filme dos dias atuais, mas ainda sim é possível sentir as dores que ele provoca, traçando um paralelo dentro do contexto de cada cenário.

Nos EUA e no Brasil ainda vemos mulheres sendo “obrigadas” a abandonar seus sonhos em nome da família, dos filhos, do marido ou da pressão social, que quer determina o que elas podem ou não realizar em suas vidas.

O silenciamento é algo presente nesse filme e também no livro “Os Homens Explicam Tudo para Mim”, de Rebecca Solnit, lançado em 2017. De formas diferentes, considerando o contexto de suas épocas, mudando a dinâmica e se reconstruindo ao longo do tempo, é possível avaliar ambos na perspectiva desse silenciamento também.

Essa obra foi inspiração para a popularização de um termo que ficou bem conhecido nas discussões mais corriqueiras sobre homens que insistem em explicar tudo para as mulheres, como se elas fossem completas ignorantes, mesmo sabendo que elas têm algum conhecimento sobre determinado assunto. O chamado “Mansplaining”.

Logo no primeiro capítulo, a autora conta uma história sobre um homem, a quem ela chama de Sr. Muito Importante, que a convence a ficar até o final de uma festa, que ele estava realizando, sabendo que ela era escritora, para falar sobre um livro, que ele alegou ter lido recentemente sobre o fotógrafo inglês Eadweard Muybridge.

Rebecca é jornalista, historiadora e uma escritora premiada, tendo mais de 10 livros publicados. Na ocasião desse relato da autora ela já tinha recebido o prêmio pelo livro “Rio das Sombras: Eadweard Muybridge e o faroeste tecnológico”, o qual ela diz ser uma história sobre “aniquilação do tempo e do espaço e da industrialização da vida cotidiana”.

Mesmo que o Sr. Muito Importante tenha sido alertado, pela amiga de Rebecca que a acompanhava, que ela havia escrito um livro sobre o fotógrafo, ele ignorou a informação num primeiro momento e danou-se a falar o quanto aquela leitura seria muito importante para a escritora. Quando ele decidiu ouvir ficou desconcertado e tratou de falar de outro assunto, até que a conversa se esvaiu no silêncio, como se nada tivesse acontecido.

Infelizmente casos assim não são tão raros, que o digam as mulheres apaixonadas por futebol, que costumam ser motivo de piadinhas em rodas masculinas, ainda que tenham condições de opinar sobre qualquer fato futebolístico. Se elas insistirem em falar são imediatamente pressionadas a escalar a seleção brasileira de 1950, 1958 e 1970. E se não souberem são ridicularizadas.

Alias, mesmo àquelas que sabem de cor e salteado o nome de todo o time de qualquer seleção brasileira, ou estrangeira, sofrem com as piadinhas ou mesmo com o silenciamento em rodas de conversas, onde os homens são maioria. Aí nesse caso eles a veem como uma afronta, afinal como pode uma mulher saber mais que um homem sobre um tema como esse?

Outro bom exemplo de arrogância de uma sociedade pensava por homens e para homens é a profissão de cozinheira e de chef de cozinha. Por séculos mulheres ocupam as cozinhas, de suas casas ou de restaurantes, como responsáveis pelos cardápios da família e dos clientes. E nunca foram valorizadas por isso, pelo contrário.

Mas, bastou um homem romper a barreira da masculinidade frágil e decidir colocar um avental, que passou a ser chamado de Chef de Cozinha, ganhando status de realeza. Sendo eles hoje maioria nas cozinhas dos restaurantes mais renomados mundialmente. A elas cabem, quando muito, o cargo de subchefe.

Temas densos, mas necessários para reflexão. E que fique claro, que a proposta não é odiar os homens, nada disso. A intensão é repensar as atitudes e discursos que tendem a diminuir as mulheres a um papel de inferioridade.

Não deve haver hierarquia entre homens e mulheres, é isso. Ambos são capazes de fazer o que quiserem sem serem julgado ou subjugado pela condição de gênero que os identifica. Bom filme e boa leitura!
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