24/03/2023 às 12h58min - Atualizada em 24/03/2023 às 12h58min

MULHERES, POLÍTICA E A HISTÓRIA:

Apesar de grandes conquistas, a história ainda esconde as figuras femininas da politica

Luciana Hage

Luciana Hage

Mini-bio: Relações Públicas. Mestre em Ciências da Comunicação.

Luciana Hage
crédito: Marina Ramos/Câmara dos Deputados
Não é nenhuma novidade a baixa representação feminina na política, de um modo geral. As últimas eleições, em 2022, mostraram que apesar do aumento no número de candidaturas e de eleitas, elas não alcançam nem 20% das vagas nas casas legislativas dos estados.

Essa é uma realidade em todo o Brasil. Segundo um levantamento do Universa, em 15 estados o número de deputadas estaduais aumentou, em 2 permaneceu o mesmo e em 9 diminuíram, o Pará é um desses. Em 2018 eram 10 deputadas, agora são apenas 7 no parlamento paraense. Na Região Norte somente Rondônia e Amazonas aumentaram o número das parlamentares em relação ao pleito anterior.

Esses dados são intrigantes e acendem uma alerta importante para os movimentos sociais feministas e de mulheres. O que estaria provocando esse retrocesso? Por que apesar do aumento de candidaturas, da obrigatoriedade de repasse de verba do fundo eleitoral para campanhas das mulheres e da cota de pelo menos 30% para elas, o cenário não avança para uma igualdade?
São muitas questões e poucas certezas. Mas é possível apontar algumas possibilidades para compreender esse cenário. Por exemplo, os últimos 4 anos no Brasil não foram favoráveis para as ações efetivas de empoderamento político para as mulheres, pelo contrário. Muitas desistiram de suas atividades políticas na linha de frente.

O caso mais emblemático foi o da ex-candidata à Presidência da República, Manuela D´Ávila (PCdoB-RS), que desistiu de concorrer ao cargo de governadora do Rio Grande do Sul em 2022, apesar encabeçar algumas pesquisas. O motivo foram as inúmeras ameaças à sua vida e a integridade física de sua filha, uma criança de 6 anos.

Teve o caso também da Deputada Federal Áurea Carolina (PSOL-MG), que optou por não concorrer à reeleição no último pleito, alegando que não tem mais saúde mental para seguir com os trabalhos no Congresso. Ela teve um período de licença médica depois de um colapso emocional.

Esses casos foram os que ganharam mais notoriedade por se tratarem de personalidades mais conhecidas do público, contudo devem ter outros tantos que não ganham repercussão midiática e podem estar contribuindo para a redução/ manutenção no número de representatividade feminina em 11 unidades da Federação. Alias, mesmo nos estados que tiveram aumento, este não significa equidade. Ainda falta muito.

A nível internacional, no início de 2023 a Primeira-Ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, que ficou conhecida mundialmente pela condução humanista na gestão da pandemia em seu país, anunciou que não concluiria seu mandato e deixaria seu cargo antes das eleições. A alegação pública foi de “não ter combustível suficiente no tanque”. Diante do estado emocional com que fez o anúncio, não seria exagero pensar que há um esgotamento emocional que não a permite mais seguir no cargo.

Quantos homens se tem notícia de terem desistido da vida pública por algum desses motivos?

O espaço da política institucional, dominada por eles, não faz muito esforço para acolher mulheres, tampouco garantir suas permanências nas disputas por esse espaço. Parece que a elas cabem apenas os papéis de apoiadoras, negociadoras e quando muito, articuladoras, das campanhas dos homens. Se fugirem a essa regra são atacadas de todas as formas, até que, enfim, saiam de cena. Em alguns casos, em definitivo.

E mesmo nesses papéis mais secundários, elas não podem se destacar a ponto de ganhar a atenção pública para si, concorrendo de alguma forma com as figuras masculinas. Caso contrário, podem ser vistas como problema. Ou seja, como protagonistas ou como coadjuvantes, as mulheres são levadas a se colocarem nas sombras.

Todos esses fatores são desencorajantes e passam um recado perigoso, violento e de silenciamento àquelas que desejam entrar nesse cenário. Enfraquecem assim a noção de que mulheres representam melhor outras mulheres.

Seja na Nova Zelândia, no Brasil ou aqui na Amazônia, de maneira particular, as dinâmicas parecem ser as mesmas, no sentido de afastar as possibilidades de ingresso e permanência das mulheres nos espaços de poder. E essa estratégia vem de muitos séculos.
Só pra citar um exemplo, na Revolução Francesa, que serviu de inspiração para a constituição de muitas democracias mundo afora, o Brasil inclusive, as mulheres tiveram um papel crucial para a vitória do movimento, mas foram silenciadas quanto às reivindicações pelo direito ao voto, à liberdade profissional, ao direito à propriedade, entre outras.

Mas em 1791, Olympe de Gouges resolveu falar sobre isso amplamente com a sociedade francesa e lançou a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, onde reforçou a importância das mulheres na luta pela igualdade, liberdade e fraternidade, o que fora completamente esquecido pelos companheiros de luta que ascenderam ao poder.

O documento de Olympe não alcançou o objetivo esperado e foi esquecido pela história. Afinal, os grandes acontecimentos são contatos a partir de uma perspectiva masculina, que reduz ou ignora a participação das mulheres. Ou alguém saberia apontar com clareza quem foram as mulheres que tiveram presentes na Revolução Cabana; na defesa pela democracia no período da ditadura, no Brasil e na América Latina; ou no movimento “Diretas Já”?

Mas elas estão em todos esses acontecimentos históricos, e em muitos outros, só não de forma clara e ampla. É preciso investigar a fundo para encontra-las e identifica-las. O plano, ao que parece, é deixa-las com o papel político de segunda classe, como um adendo ou uma cota de 30%.

Para uma mudança efetiva desse cenário, em favor das mulheres na arena política, é necessário que hajam mais políticas públicas que garantam a segurança delas, incluindo a punição de criminosos que ameaçam constantemente a vida dessas mulheres.

Tem de haver também uma mudança na consciência social, permitindo que elas sejam inseridas como viáveis em disputas políticas. E principalmente, é necessária uma intensificação de ocupação de espaços sociais onde sejam possíveis amplificar as vozes femininas.
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