Não há a menor dúvida de que os atuais prefeitos dos 144 municípios do Pará possuem uma das mais importantes e difíceis agendas a cumprir para os próximos 11 anos, que é o alcance das metas estabelecidas pela Lei 14.026, de 15/07/2020, de 99% de água potável na ponta das torneiras e 90% de saneamento básico implementado em seu território, até 2033.
Antes de qualquer coisa, o conceito de saneamento é o “conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas”, conforme art. 3º da Lei 11.445/2007, Lei do Saneamento Básico, com redação dada pela Lei 14.026/2021, o novo Marco do Saneamento Básico.
Embora a responsabilidade de melhoria e investimento em saneamento básico seja de competência comum da União, Estados/Distrito Federal e Municípios, conforme a Constituição Federal (art. 23, IX), o presente editorial dará ênfase à atuação dos prefeitos do Pará, gestores que lidam de perto com a triste realidade paraense no quesito saneamento básico.
Ao se analisar os números do índice de atendimento total de esgoto no Brasil, no site do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento SNIS, do Ministério do Desenvolvimento Regional, relativos a 2020, identifica-se a média de 55% da população atendida, o que equivale a 114,6 milhões de pessoas. Entretanto, esse número não representa a lamentável realidade da região Norte, destacada nesse mesmo estudo, que possui uma cobertura de apenas 13,1%.
Já em relação ao índice de atendimento total de água no Brasil, os números do SNIS indicam que o país possui média de 84,1% da população atendida, o que representa 175,5 milhões de pessoas. Mais uma vez essa média não corresponde com à realidade da região Norte, que possui média de 58,9% da sua população atendida.
Sobre o manejo de resíduos sólidos urbanos o índice de atendimento nacional é de 90,5%, equivalente a 190,9 milhões de pessoas atendidas, sendo que na região Norte o índice de atendimento é de 80,7%. Em relação à coleta seletiva, a nível nacional, 36,3% dos municípios possuem coleta seletiva, com 35,7 mil catadores envolvidos.
O novo marco do saneamento existe pelo fato do “velho marco” não ter conseguido alcançar seus objetivos iniciais. Lamentavelmente, o saneamento básico no Brasil sempre foi deixado para último plano por ser considerado pela maioria dos gestores públicos como obra pública de difícil capitalização eleitoral, uma vez que a maioria da obra fica por baixo do solo; logo, de difícil percepção pela população.
Infelizmente, pensamentos mesquinhos e desconectados dos conceitos mais elementares dos objetivos da Administração Pública e da busca pelo bem comum fizeram o Brasil chegar em 2022 com números ainda medievais no saneamento. Mas é preciso identificar as dificuldades, encarar os desafios, atuar de forma inteligente, séria e firme para transformar a realidade, pois o saneamento básico está diretamente ligado com um dos pilares da República Federativa do Brasil, qual seja, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal).
O saneamento básico, apenas o “básico”, representa o mínimo existencial para que as pessoas vivam dignamente em sociedade, e negar tal direito constitucional significa violar, reitera-se, o princípio da dignidade da pessoa humana. A ausência de saneamento básico resulta em números preocupantes em vários setores importantes da sociedade, como saúde, educação, segurança e desenvolvimento humano.
Um país que não cuida do saneamento básico terá como consequência, por exemplo, o subdesenvolvimento educacional das suas crianças. Tais crianças, por sua vez, poderão se tornar adultos com graves problemas de saúde, física e mental, diminuindo significativamente suas chances de competição no feroz mercado de trabalho, ajudando a aumentar o número de pessoas dependentes de auxílios públicos, além de prejudicar o aumento qualitativo da mão de obra do trabalhador brasileiro.
De fato, a universalização que pretende o novo marco do saneamento básico - de 99% de água potável na ponta da torneira e 90% de saneamento até 2033 - é uma missão árdua, e para atingi-la nas referidas metas é preciso atenção máxima e empenho absoluto de todos os evolvidos: gestores públicos, órgãos fiscalizadores e a sociedade civil organizada.
A partir da promulgação do novo marco, Lei 14.230, em 15 de julho de 2020, os gestores públicos possuíam apenas 13 anos para o alcance das metas. Entretanto, o ano de 2020 era de eleição municipal e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA precisava regulamentar alguns dispositivos da nova lei, além de estruturar a agência para atender a nova demanda, motivo pela qual era público e notório que, de fato, somente após a posse dos novos prefeitos, em 2021, é que esse prazo efetivamente se iniciaria. Ocorre que o lapso temporal de 2021 até 2033, data limite para se atingir as metas de universalização do saneamento, representa três mandatos municipais.
Assim, se o prefeito eleito em 2020, que assumiu em 01 de janeiro de 2021, não iniciar os estudos e trabalhos necessários para a implementação/expansão dos serviços de saneamento em seu respectivo município fatalmente colocará em risco todo o Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), considerando seus quatro componentes: i) abastecimento de água potável, ii) esgotamento sanitário, iii) coleta de lixo e manejo de resíduos sólidos e iv) drenagem e manejo das águas pluviais urbanas.
Em outras palavras, o prefeito eleito para o exercício 2021-2024 possui 1/3 da responsabilidade sobre a implementação das metas estabelecidas no novo marco do saneamento, pois terá 4 anos de mandato de um total de 12 anos para a implementação das novas metas, que finaliza em 2033.
Entretanto, caso os atuais mandatários não façam sua parte para iniciar os estudos necessários e deem os encaminhamentos nos demais procedimentos administrativos para efetivamente dar cumprimento às metas do novo marco regulatório, a população paraense continuará padecendo de uma triste realidade que a condenará a permanecer numa eterna prisão de miserabilidade social.
Com todas as vênias a quem pensa o contrário, mas o certo é que até hoje, com raríssimas exceções no Brasil, o poder público demonstrou ao longo dos anos uma gigantesca incapacidade administrativa para implementar uma política pública tão elementar para uma nação que almeja deixar de ser apenas um país do futuro.
Levando em consideração essa letargia administrativa, o Congresso Nacional implementou uma novidade substancial no novo marco do saneamento básico ao abrir as portas à iniciativa privada, igualando-a às empresas públicas e retirando destas os privilégios que possuíam no antigo marco legal do saneamento.
Agora, o poder público, quando passar a gestão do saneamento à iniciativa privada, precisará aperfeiçoar suas atividades fiscalizatórias para que as metas traçadas sejam fielmente cumpridas.
Por fim, a partir de hoje, o Jornal Pará iniciará uma campanha ostensiva em todo o Estado para ajudar a promover os debates necessários sobre esse importante tema que impacta toda a sociedade paraense. A ideia é dialogar com absolutamente todos os atores envolvidos na implementação dessa política pública, que, se bem-sucedida, representará um divisor de águas na história do Pará.