Na última semana, Parauapebas presenciou um ato de “reivindicação” de Agentes Comunitários de Saúde (ACS), os quais cobravam a majoração do número de ACS’s nos quadros da Administração Pública municipal. O alvo da manifestação dos ACS’s era o prefeito da cidade, Darci Lermen (MDB).
Vários Agentes Comunitários de Saúde foram para a frente da residência (particular) do prefeito e entoaram gritos de ordem exigindo que Darci Lermen encaminhasse à Câmara de Vereadores um projeto de lei que atendesse aos interesses da categoria.
Detalhe importante: os manifestantes conseguiram o que pretendiam e o prefeito encaminhou um projeto de lei à Câmara Municipal, cujo resultado foi a aprovação pelos vereadores.
Pois bem. Uma categoria reivindicar do poder público aquilo que entende ser seu direito é algo perfeitamente compreensível e legítimo, desde que realizado dentro dos limites legais e desde que o ato não interfira em direitos de terceiros.
Todavia, o que chamou atenção do ato dos ACS’s foi o fato de acontecer em frente à residência do prefeito, que, embora seja uma autoridade pública, não deixa de ser um agente público como qualquer outro que compõe a Administração Pública, detentor de direitos e deveres.
Indo direito ao ponto, quando um coletivo de pessoas (no caso os ACS’s) inicia um ato de pressão sobre determinada autoridade (o que pode ser perfeitamente legítimo) é provável que algumas pessoas que são impactadas com a forma como está sendo feita a reivindicação se voltem raivosamente contra aquela autoridade que está sendo pressionada.
Mais do que isso, até mesmo alguns dos próprios profissionais que estão participando da “manifestação” podem sofrer alterações em seu estado emocional e se tornarem agressivos, violentos ou mesmo incentivadores de atitudes violentas contra à autoridade que está sob pressão daquele coletivo.
Em outras palavras, em manifestações que reúnem dezenas de pessoas e nas quais palavras de ordem são proferidas com veemênciacontra agentes públicos não há como os organizadores garantirem que os manifestantes não ultrapassarão a linha do tolerável, da racionalidade, e o ato não descambará para a violência, ameaça ou algo mais sério.
E é exatamente aqui que se faz a indagação a respeito da atitude dos “manifestantes” que promoveram o ato político reivindicatório em frente à residência do prefeito de Parauapebas.
Tal ato pode ser considerada uma atitude legítima ou se trata de um algo que pode se configurar como uma ameaça à integridade do agente público e sua família?
Antes de responder a essa pergunta, é importante fazer a seguinte reflexão: o conceito de agente público engloba qualquer pessoa que se encontra investido em qualquer função pública, autoridade ou não, ou seja, pode ser o prefeito de uma cidade, os vereadores, os secretários municipais, mas também podem ser os Agentes Comunitários de Saúde (ACS), os servidores que recepcionam as pessoas nos hospitais, os enfermeiros, os médicos, os professores, as merendeiras, os motoristas etc.
Agora imagine que um servidor qualquer, que componha alguma das categorias identificadas acima, atue de forma não profissional e de forma completamente desrespeitosa para com os cidadãos em suas atividades funcionais, e certo dia algumas dezenas de cidadãos, indignados por serem maltratados nos postos de saúde e hospitais públicos, por exemplo, decidem se reunir e fazer um ato político para mostrar à sociedade que aquele profissional é desrespeitoso e antiprofissional e a comunidade precisa ter conhecimento daquela realidade.
Nesse cenário, imagine se dezenas de pessoas indignadas por se considerarem desrespeitadas nos atendimentos de servidores em diversos órgãos públicos decidem prover um grande ato de protesto públicoe, inspirados nos atos dos ACS’s que promoveram a “reivindicação” em frente à casa do prefeito, se dirigem para frente da residência desses servidores que eles entendem que atuam de forma desrespeitosa com o público.
Nesse cenário acima, pergunta-se: esse ato público, de cidadãos indignados, realizado em frente à casa dos servidores públicos, os quais serão expostos nas redes sociais e possivelmente terão contra si a repulsa da sociedade, trata-se de um ato legítimo ou da “sociedade” ou será considerado um ato de ameaça à integridade física e moral dos servidores e seus familiares?
Essa reflexão é importante para não se permitir a banalização das coisas erradas, seja pelos agentes públicos, seja por aqueles que se dizem representantes de categorias profissionais ou mesmo “representantes” da sociedade.
Pelo que é de conhecimento público, o prefeito de Parauapebas possui família, incluindo filhos adolescentes.
Acampar em frente à sua residência e veicular palavras de ordem nas redes sociais insuflando a categoria e a população contra o prefeito, inclusive divulgando que o ato estava acontecendo em frente à residência daquela autoridade e que a ideia seria acampar naquele local por tempo indeterminado, pode perfeitamente colocar em risco a integridade física e moral não só daquela autoridade como também de todos os que ali residem, impedindo o ir e vir dos familiares e demais pessoas que precisam ingressar na residência, além de possuir potencial para abalar o psicológico dessas mesmas pessoas.
Não há reivindicação legítima que se sustente quando a forma de pressão descamba para atos que ultrapassam a linha da legalidade, da racionalidade e da civilidade, especialmente quando seu teor atinge a segurança física e moral das pessoas envolvidas.
O precedente criado pelos ACS’s é perigoso e não pode ser repetido e nem tolerado, sob pena de se instalar uma prática que pode desaguar em tragédias.
Há muitos outros espaços mais adequados para esse tipo de manifestação, mas desde que os atos não interfiram no direito de terceiros.