27/04/2022 às 16h04min - Atualizada em 28/04/2022 às 11h58min

Indígenas e quilombolas vêm a Belém dar esclarecimentos sobre a situação tensa que vivem diante do conflito com a BBF, na região nordeste do Pará.

Em coletiva de imprensa a liderança Paretê Tembé declarou temer pela própria vida.

Mayron Gouvêa

Diante da imprensa, indígenas e quilombolas denunciaram vigilância 24 horas por seguranças armados da empresa

A desmoralização e a criminalização de lideranças dos povos originários deram o tom da coletiva de imprensa que reuniu órgãos da sociedade civil como a Comissão de Direitos Humanos da OAB/PA, o Conselho Indígena Missionário (CIMI), a Comissão Pastoral da Terra e advogados de indígenas e quilombolas. Ameaçado pessoalmente pela empresa Brasil Biofuels, por meio de funcionários e seguranças particulares, a liderança indígena Paretê Tembé, que é alvo de inúmeros boletins de ocorrência feitos pela BBF nas delegacias do Acará e Tomé-Açu, declarou: “Eu temo pela minha vida, mas o meu povo está comigo. A luta não é minha, é de todos os integrantes dos povos originários”.


 

O advogado José Maria Vieira, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB no Pará, apresentou a recomendação nº 002/2022 do Ministério Público do Pará, expedida em março corrente, que sugere à empresa BBF/SA que “Não obstaculizem/impeçam/restrinjam o tráfego de comunitários, indígenas e quilombolas do Alto Acará”, em nome do direito de locomoção e liberdade de ir e vir prescritos pela Constituição Federal de 1988. “Isso é uma realidade que acontece no Brasil inteiro e, particularmente, no Pará. O método de ação destes grandes projetos, quando chegam nos lugares vendendo uma promessa irreal de progresso, é que quase sempre elas (empresas) atuam de uma forma a instrumentalizar mesmo o aparelho de segurança, de vigilância ostensiva nas comunidades, e isso tá muito bem colocado nessa recomendação do Ministério Público do Estado”, alertou o advogado.


O que foi confirmado pela presidente da Associação Indígena Tembé do Vale do Acará, Miriam Tembé. “Estamos sendo o tempo todo vigiados, com drones sobrevoando nossas áreas e com nossa liberdade privada. Somos tratados como se fôssemos criminosos, sendo que a nossa luta é em defesa do nosso território, da nossa terra, da nossa floresta que são riquezas que garantem a vida da nossa futura geração. O nosso movimento não é contra direitos dos funcionários; é um movimento coletivo que reúne várias lideranças indígenas, quilombolas e ribeirinhos”, revelou.




Entenda o caso


Na última quinta-feira (21), cerca de 250 homens, entre lideranças indígenas e quilombolas, resolveram revidar a coerção feita por seguranças da empresa e impedir que a BBF entrasse em seus territórios. Em nota a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) disse que “acompanha o caso por meio da sua unidade descentralizada na região, está em interlocução com as autoridades locais e não coaduna com nenhuma conduta ilícita, tendo sua atuação pautada no diálogo, legalidade, pacificação de conflitos e segurança jurídica”. 


Para os indígenas, a FUNAI não cumpre o papel de defesa da causa indígena, apesar de já haver diversas denúncias feitas junto aos órgãos, mas que os povos encontraram barreiras em acompanhar os processos. “As dificuldades são em nome de um governo que não apoia as causas indígenas ou mesmo tradicionais. A FUNAI não se manifesta porque está tutelada pelo governo. Mas, a gente acredita que devido à força coletiva e das instituições sem fins lucrativos, como as da igreja católica e representantes dos direitos humanos, a gente vai conseguir resgatar o nosso território. A gente espera que haja demarcação, senão a gente vai fazer essa autodemarcação, que é nossa por direito", avisou Marques Tembé, liderança da aldeia Tembé Wyranu.


Em nova cobrança aos órgãos competentes, o Jornal Pará buscou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que, segundo os quilombolas, já deveria ter demarcado terras há pelo menos 10 anos. Em nota o órgão disse que “Em relação aos grupos quilombolas, o Incra esclarece que as comunidades remanescentes Alto Acará e Nova Betel não têm áreas regularizadas. Não há previsão de executar o processo de identificação, delimitação, reconhecimento e titulação de territórios para as citadas comunidades”. 


Aos questionarmos dos quilombolas durante a coletiva, Clóvis Chermont, secretário geral da comunidade Nova Betel, foi enfático ao afirmar: “Nós temos documentações como ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural) e CAR (Cadastro Ambiental Rural) do INCRA que comprovam que as terras são dos nossos antepassados, expedidos em 1888 e 1989. Então, o INCRA quando é para dar um licenciamento ambiental para uma empresa dessas, libera. Mas, quando é para não acontecer o que está ocorrendo, o órgão não faz. Tem processo pra fazer o RCI (Roteiro de Caracterização do Imóvel) das comunidades, mas não tem verba pra isso, porque o órgão tá sucateado. A BBF um CAR liberado que se sobrepõe aos nossos documentos”, esclareceu.  


A área em que a empresa atua engloba 4 territórios indígenas, sendo três em Tomé-Açu (Tembé, Turé Mariquita e Urumatewa) e o território Maracaxi que fica no limite entre o município e Aurora do Pará. “A região é conhecida como a menor terra do Brasil e os territórios de Tomé-Açu são impactados não só pela BBF, mas por outras empresas. Antes nós tínhamos igarapés e rios, onde podíamos nadar e caçar. Hoje, a gente não pode mais fazer isso, porque está tudo contaminado pelos venenos que a empresa usa no dendê e se espalha”, acrescentou Miriam Tembé. Há ainda 7 comunidades quilombolas e 02 associações “Nova Betel” e “Amarqualta” no Alto Acará, além de outras 06 que são da área da Balsa.  


Em última análise, o presidente da Comissão dos Direitos Humanos da OAB/PA, revelou que há várias desobediências legais, como o desacordo à Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o respeito às culturas e aos modos de vida dos povos indígenas e reconhece os direitos deles à terra e aos recursos naturais. “Nos preocupa o fato de que uma empresa do porte da BBF permita e incentive qualquer tipo de ameaça personalizada em relação ao Paretê. Ela (BBF) está, sim, agindo de uma forma irresponsável, ilegal, causando inclusive, a possibilidade de insuflar a violência a um cidadão indígena. Preocupa muito que essas ações, como o movimento dos trabalhadores de ontem, sejam naturalizadas. Isso precisa acabar e ser repudiado pela sociedade”, defendeu José Maria Vieira.


Nessa terça-feira (26) de abril, uma nova recomendação do MPPA, assinada pelo promotor público da comarca do Acará, Emério Mendes Costa, oficiou a Delegacia de Polícia do município para que “todos os procedimentos administrativos que tratem de conflitos agrários que envolvam as comunidades indígenas e quilombolas sejam encaminhados à Polícia Federal”, além de determinar que a delegacia especializada e demais órgãos desses conflitos sejam acionados, conforme o que preceitua a legislação.

Posicionamento BBF


A Brasil BioFuels - BBF reafirma que repudia qualquer tipo de violência e  acredita no diálogo transparente com todas as partes interessadas nos seus negócios e reforça que pretende obter o apoio das autoridades para que as decisões judiciais sejam cumpridas de forma pacífica. A empresa ressalta que detém todos os documentos das áreas e todas as licenças legais e válidas, não existindo sobreposição nas regiões em que atua.


A BBF respeita o direito de ir e vir de todos os cidadãos e investe periodicamente em manutenções de estradas e de pontes, instalações de bueiros, substituições de transformadores, entre ouras melhorias que impactam não só os colaboradores que utilizam os acessos, mas também todos os moradores das regiões de entorno. Essas ações são constantes, como parte da estratégia ESG da BBF. 

A BBF ressalta que sempre esteve à disposição das instituições públicas e da sociedade civil para eliminar dúvidas e sanar dificuldades sobre a solução pacífica de todo e qualquer conflito envolvendo sua atividade empresarial. 

A empresa esclarece que pretende continuar com a sua atuação responsável que gera mais de 5 mil empregos diretos no Pará, a partir da promoção do desenvolvimento econômico da região.


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