Da etnia Omágua/Kambeba, nascida em uma aldeia ticuna, onde viveu até os oito anos de idade, quando se mudou com a família para São Paulo de Olivença, a geógrafa formada pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e atual Ouvidora do município de Belém, Márcia Wayna Kambeba, como é conhecida, diz que a data serve para ser um dia de reflexão na luta dos povos originários. “O 19 de abril não é o dia de celebrações porque a cada dia uma aldeia é invadida, uma mulher indígena é violentada, um cacique, ou liderança, é morto por pessoas que visam a ocupação de suas terras. O garimpo ilegal invade cada vez mais as terras indígenas devastando e poluindo. Uma poluição que trará um mal não só às populações indígenas que ali vivem e dependem do lugar, mas à nação humana que precisa da natureza, dos rios e florestas para sobreviver, ao menos respirar”, salienta.
A indígena recorda que o desmatamento acelerado invade as aldeias e empurra os povos para a cidade, onde os indígenas vivem nas periferias das capitais, numa vida sub humana. Por isso, se fazem necessárias políticas públicas que valorizem os saberes, a cultura e a memória dos povos originários. “O Pará tem muitos povos vivendo nas cidades, na capital, e não temos um censo para saber onde estão, como estão e como vivem. É como pensar Belém como um grande território indígena chamado Mairi Tupinambá - que um dia foi e que ficou no esquecimento da memória de muitos. Na vinda dos portugueses pra cá, vieram mais homens que mulheres e então eram as mulheres indígenas as que viviam com esses não indígenas e desses relacionamentos nasceram filhos que deram origem à população amazônida, brasileira. Contudo, houve um silenciamento, um apagamento de identidades e, por isso, muitos não sabem de seus povos, e muito menos que suas tataravós eram indígenas que foram violentadas sexualmente. Então buscar essas ações é fazer um abril indígena de verdade e não só lembrar de nossa existência no 19 de abril”, explica.
O primeiro 19 de abril importante para os povos originários foi o do ano de 1940 quando foi realizado o I Congresso Indigenista Interamericano no município de Pátzcuaro, no Estado de Michoacán, México. A data foi tão marcante que o governo de Getúlio Vargas, através do Decreto de Lei 5.540, estipulou em 1943 o que ficou tradicionalmente conhecido como dia do índio.
Em dezembro de 2021, um projeto de lei da deputada indígena Joênia Wapichana (Rede-RR), aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, representou um novo marco ao estabelecer que o 19 de abril, agora, é “Dia dos Povos Indígenas”. Na época, em entrevista à repórter Paula Bittar, setorizada da câmara, a parlamentar ressaltou que a mudança retira o “valor” do indivíduo estigmatizado e valoriza o coletivo. “O propósito é reconhecer o direito desses povos de, mantendo e fortalecendo de suas identidades, línguas e religiões, assumir tanto o controle de suas próprias instituições e formas de vida quanto de seu desenvolvimento econômico", afirma a deputada.
Nascida à beira do rio Tocantins, na localidade Guajará de baixo, em Cametá (nordeste paraense), a jornalista Nice Tupinambá, 32, que é da Etnia Kamuta do povo Tupinambá, não aldeada, ou seja, que é citadina por ter vivido na cidade, analisa que na data de hoje os povos originários deveriam estar comemorando a demarcação das terras, o avanço nas políticas públicas de saúde e educacionais, mas que infelizmente o que se percebe são cortes gigantescos nestes setores para os indígenas.
Contudo, como profissional da comunicação social há 5 anos, a descendente tupinambá avalia que o advento da internet, com as redes sociais, tem permitido democratizar a parte comunicacional e até salvar os territórios, como aconteceu na semana passada quando a cacica Juma Xipaya denunciou uma invasão de garimpeiros às terras indígenas Xipaya, na região de Altamira, e acabou frustrando a ação criminosa. “Então, se há o que comemorar para nós indígenas é o mesmo para toda a sociedade, esse acesso comunicacional. Mas ainda falta muito. Atualmente, eu sou a única jornalista formada pela UFPA, temos outros comunicadores sem formação, mas existem outros indígenas que não estão nas universidades por falta de bolsas para se manterem nas cidades”, avisa.
Acampamento Terra Livre (ATL): maior manifestação indígena em Brasília
Durante 10 dias, no período de 05 a 14 de abril, mais de 7 mil indígenas de 200 povos brasileiros se reuniram em Brasília (DF) em uma das manifestações mais emblemáticas em 18 anos de realização do ATL. Juntos, eles tocaram, dançaram e mostraram a resistência na luta por demarcação de territórios e proteção contra invasores.
Os protestos foram contra dois projetos de lei: o PL 191/2020 que libera a mineração e outros grandes empreendimentos em territórios indígenas e PL 490/07 que representa o fim das demarcações de terras indígenas. A partir dele, os povos terão de comprovar que estavam nas terras desde 1988 quando foi promulgada a Constituição Federal.
“O acampamento é um espaço muito importante de construção da política indígena e de reconectar os povos indígenas ali presentes. Fundamental em Brasília, porque a gente vê que a maior parte das coisas que atingem nossas vidas passa ali, por isso o chamado deste ano foi o de retomar o Brasil. Hoje, a gente tem a deputada Joênia Wapichana, mas a gente quer mais indígenas deputados ocupando esse espaço de poder dentro do parlamento brasileiro, onde nossa vida é decidida sem a nossa participação”, garante a jornalista Nice Tupinambá.