Pará teve 92 pessoas resgatadas do trabalho análogo à escravidão em 2022, segundo dados do ministério

Amaral Rosa, estagiário sob supervisão de Yuri Siqueira, jornalista
28/01/2023 10h08 - Atualizado em 28/01/2023 às 10h08

No Brasil, a Inspeção do Trabalho resgatou 2.575 trabalhadores em condições análogas às de escravo em 2022, em um total de 462 fiscalizações realizadas no ano em todo país. No Pará, foram encontrados 92 trabalhadores em condições análogas às de escravo, o que o coloca o estado no 7º lugar do ranking encabeçado por Minas Gerais, onde 1070 pessoas foram encontradas nessa condição.
 
Em 2021, o Pará ocupou o 4º lugar no número de trabalhadores resgatados.

 
Segundo o perfil dos trabalhadores resgatados no Brasil, 92% eram homens, sendo que 29% deles tinham entre 30 e 39 anos. 51% residiam na região nordeste e outros 58% eram naturais dessa região. 83% deles se autodeclararam negros ou pardos e 15% brancos e 2% indígenas.

GRUPO MÓVEL REGIONAL REFORÇA O COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO
 
Criado em 2020, o Grupo Móvel de Fiscalização Regional tem intensificado sua atuação, contribuindo significativamente para o enfrentamento do trabalho análogo a escravidão. Em 2022, foram organizadas regionalmente 11 forças-tarefas com alvos localizados principalmente no sudeste e sudoeste paraense.
 
24 trabalhadores foram resgatados nas forças-tarefas regionais realizadas pelo MPT, em parceria com órgãos como Superintendência Regional do Trabalho no Pará (SRT-PA), Polícia Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF). Entre os municípios com propriedades fiscalizadas estão: Abaetetuba, Água Azul do Norte, Altamira, Anapu, Baião, Belém, Brasil Novo, Cachoeira do Arari, Capitão Poço, Concórdia do Pará, Irituia, Juruti, Itupiranga, Marabá, Medicilândia, Moju, Novo Progresso, Ourilândia do Norte, Paragominas, Rondon do Pará, Salvaterra, Santa Maria das Barreiras, Santana do Araguaia, Santa Bárbara, São Félix do Xingu, São Geraldo do Araguaia, Senador José Porfírio, Tucuruí, Uruará e Vitória do Xingu.

 
Para entendermos o conceito de Trabalho a Escravidão, o Jornal Pará realizou uma breve entrevista com Karla Furtado, advogada, sócia fundadora do Moura, Furtado e Maués Advogadas Associadas, primeiro escritório feminista, antirracista e antilgbtqfobico de Belém. Especialista em Advocacia feminista e direito das mulheres , e em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.



1. De acordo com a legislação brasileira, quais são as situações que podem caracterizar o trabalho escravo?

A caracterização do trabalho escravo pode ser percebida e configurada através de alguns fatores já determinados pela lei, como condições degradantes de trabalho, em que é possível verificar a não observância ao trabalho digno e decente, como por exemplo, o não fornecimento de água potável e alimentos em boa qualidade aos trabalhadores, permitir que essas pessoas trabalhem em ambiente nocivo à saúde, sem qualquer equipamento de proteção; a jornada exaustiva, quando não obedece o limite determinado em lei para o trabalho, bem como seus intervalos, e a intensidade que ele fica exposto ao ambiente, seja pelos elementos nocivos à saúde, seja pela exigência de força física, por exemplo; a servidão por dívida, em que ocorre um endividamento pelo fato de o patrão vender ao empregado objetos com valores exorbitantes, com a intenção única de privá-lo de salário para o pagamento de dívidas, impossibilitando que ele saia daquele local; e a liberdade de locomoção reduzida, quando ameaça o trabalhador e sua família com a não disponibilização de transportes ou meios de comunicação, isolamento para áreas afastadas de sua cidade de origem em que possam manter algum contato e relatar a localização e situação em que se encontram. Apesar de estas serem as previstas na legislação, é importante observar que essas características estão se renovando a todo o momento pelos patrões, por isso, é necessário que a legislação esteja sempre atenta a formas contemporâneas dessa configuração, a fim de acompanhar as transformações neste crime.

2. Quais fatores permitem a perpetuação do Trabalho Análogo ao de Escravo?

Existem alguns fatores que contribuem para que este tipo de condição desumana ao trabalhador esteja presente até hoje, e que podemos perceber a forma estrutural como ela ainda acontece através dos sistemas adotados em nossa sociedade, como o sistema capitalista, que está sempre em busca de vantagens para garantia do seu lucro. No ambiente de trabalho isso se torna mais intenso, pois quanto menor o custo que o empregador irá ter, e quanto menor os direitos trabalhistas a serem pagos devidamente, mais vantajoso é que a prática continue sendo perpetrada, já que a lei ainda não consegue penalizar as empresas e empregadores que cometem este crime de forma gravosa, visto que as multas aplicadas acabam sendo desproporcionais, ou seja, pequenas, comparadas ao lucro que a ilegalidade nos direitos destes trabalhadores dão ao empregador, gerando assim um ciclo de vantagem que não impede de forma eficaz o cometimento destes atos.

Outro fator quer perpetua esse tipo de situação é a hipervulnerabilidade de trabalhadores e trabalhadoras que chegam a essa situação. Em poucas palavras, no sistema que estrutura as relações, a pobreza e a desigualdade são pontos muito fortes para que pessoas entrem e permaneçam nessa condição, uma vez que, a vulnerabilidade de diversos fatores causa também a dificuldade de conscientização sobre o que está ocorrendo e sobre sua própria condição, sem falar do acesso ao judiciário; a pobreza e desigualdade causam e afastam a pessoa de uma melhor conscientização, da educação, da saúde, facilitando que sejam aliciadas de forma mais eficaz e fiquem submetidas a essa condição de trabalho degradante.

3. O passado escravocrata do Brasil influencia na prática da exploração do Trabalho Análogo ao de Escravo?

De certa forma, a herança do nosso país influencia na prática reiterada de exploração de pessoas, tanto quanto se fala nesse tipo de condição para trabalhos urbanos, quanto rurais.

Pela divulgação de matérias jornalísticas nos últimos tempos, pode ser notado que a questão racial e a de classe estão presentes. Sob uma ótica mais regionalizada, também podemos perceber que o passado de nosso Estado contribuiu e contribui para essas condutas. Muitas meninas menores de idade são trazidas dos interiores do Pará, com a finalidade de estudar ou de ser companhias para pessoas idosas, e isso durante muito tempo foi normalizado em nossa região. Essas crianças, que geralmente estão em situação de vulnerabilidade, são entregues à famílias da cidade, que muitas vezes nem sequer conhecem, e levadas aos grandes centros, e lá são submetidas ao tratamento de exploração de trabalho até sua vida adulta, neste aspecto é comum que os marcadores de gênero, raça e classe estejam presentes, pois os casos, em sua maioria, são de meninas negras e de classe social baixa.

Quando falamos de meio rural, quando a exploração é a força física, os homens de renda baixa são os principais aliciados, envolvendo assim, os marcadores de raça e classe, comumente. 

Então, a herança de nosso país influencia diretamente na permanência destas práticas pois visam a exploração de alguém que foi considerada inferior durante muitos anos em nosso país, desumanizando esta pessoa e colocando-a em situação degradante.

 
 
COMO DENUNCIAR
 
Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas de forma sigilosa no Sistema Ipê, sistema lançado em 2020 pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em 2022, 1.654 foram enviadas pelo sistema. Denúncias também podem ser feitas através do Ministério Público do Trabalho, unidades da Polícia Federal, sindicatos de trabalhadores, escritórios da Comissão Pastoral da Terra, entre outros locais.

Os dados do sistema podem ser acessados pelo link: https://ipe.sit.trabalho.gov.br/

Os dados oficiais das ações de combate ao trabalho análogo ao de escravo no Brasil estão disponíveis no Radar do Trabalho Escravo da SIT, no seguinte endereço: https://sit.trabalho.gov.br/radar/
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