No dia seguinte ao conflito entre populações tradicionais e funcionários da empresa Brasil BioFuels (BBF), que produz óleo de dendê, nas regiões do Acará e Tomé-Açu, nordeste do estado, o clima ainda é de tensão na área. A Polícia Militar está no local fazendo o controle da situação. A empresa contabiliza prejuízos de mais de R$ 2 milhões e indígenas relatam ameaças de morte e truculência policial.
Invasão à empresa
Na manhã desta quinta-feira, 21, a sede da BBF, polo Vera Cruz na região do Acará, foi invadida por indígenas e quilombolas. De acordo com a empresa e com os vídeos que circulam nas redes sociais, tiros foram disparados, veículos incendiados e espaços da empresa depredados. A BBF também acusa os manifestantes de roubarem computadores e equipamentos na fazenda que pertence à empresa, localizada no município de Tomé-Açu. Sete caminhões carregados de dendê foram furtados do local. Ainda durante a tarde de ontem, a carga foi recuperada por funcionários da BBF. A empresa registrou boletins de ocorrência contra os manifestantes nas delegacias do Acará e de Tomé-Açu.
Prejuízos
Segundo funcionários da BBF, os ataques de ontem resultaram em um prejuízo financeiro de mais de R$ 2 milhões, pois apenas o que foi perdido em veículos contabiliza mais de R$ 1,5 milhão, além de outros equipamentos destruídos e saqueados. Os funcionários também contam que foram contratados seguranças para fazer a vigilância noturna e coibir novas invasões.
Acusações e ameaças
A empresa acusa o líder indígena Paratê Tembé de ser o cabeça das manifestações, mas ele afirma que o protesto é mobilizado por cerca de 250 pessoas, entre indígenas e quilombolas. “Eles alegam que eu sou o líder que manda fazer isso, o que é uma mentira, pois cada aldeia tem sua liderança, seu cacique. Eu sou liderança de uma aldeia apenas”, conta.
Com os conflitos de ontem, Paratê conta que as ameaças de morte que ele já sofria se intensificaram “Tem áudios circulando, me ameaçando, dizendo que vão me apagar. Eu não tenho porque temer nenhum tipo de retaliação, eu não cometi nenhum crime, sempre luto pelo meu povo, pelo direito da resistência e da existência do meu povo, jamais vou me intimidar ou me amedrontar”, ressalta Paratê dizendo que já pediu a intervenção dos órgãos responsáveis.
O indígena também acusa a empresa de contratar milicianos para intimidar as populações tradicionais. Em nota, a BBF rebate às acusações e diz que, na verdade, é vítima de ações violentas e de fake news. A empresa também afirma que não compactua com qualquer tipo de violência.
Truculência policial
A Secretaria de Segurança Pública do Estado deslocou tropas do Comando de Missões Especiais da Capital, além das tropas de Tomé-Açu e Abaetetuba para conter a situação. De acordo com a Segup, diligências estão sendo realizadas para ouvir as partes envolvidas e para garantir a ordem pública. Porém, segundo relatos de indígenas, a população tradicional estaria sendo abordada de forma truculenta pela polícia ao se deslocar da aldeia para a cidade.
A indígena Mayra Tembé, 19, da aldeia Turé Mariquita, conta que ontem foi agredida em abordagem policial. “Nós estávamos indo acampar junto com nossos parentes. Nós estávamos em um pequeno grupo, os policiais tiraram nosso arco e flecha da mão e jogaram pro mato. Eles foram muito agressivos, a policial puxou meu cabelo, bateu nas minhas costas e falou que ia me derrubar no chão”, relata Mayra. Veja o vídeo com relato:
Mayra também conta que um segurança da BBF teria ameaçado de atear fogo nas mulheres do grupo, em frente da polícia. “Eles foram muito agressivos com a gente, foi a pior coisa que já aconteceu, foi uma humilhação pra nós indígenas”, ela conta.
O Jornal Pará aguarda posicionamento da Secretaria de Segurança Pública sobre as acusações.
Disputa por terras e impactos ambientais
De acordo com o apresentado pelo Ministério Público Federal, em reunião no começo de abril, a origem dos conflitos é o fato da Terra Indígena Turé Mariquita estar cercada por plantações da empresa, sem uma zona de amortecimento que deveria existir de pelo menos dez quilômetros de distância entre os cultivos e a área. O MPF também afirma que não houve licenciamento ambiental para a atividade da BBF, acusada de provocar graves impactos ambientais na área, como a poluição da água e a contaminação dos solos.
A situação também atinge duas comunidades quilombolas, cercadas por plantações de dendê: a comunidade Alto Acará e a Nova Betel. A BBF estaria ocupando áreas que fazem parte do território das populações tradicionais. O conflito teria aumentado com o rompimento de acordo de compensação que havia com a empresa anterior, Biopalma, no processo de venda de terras e plantações para a BBF, ocorrido em 2020.
Para o MPF, deveria ter sido feito um Estudo de Impacto Ambiental e um Estudo de Componente Indígena específicos para equacionar esses impactos e garantir compensação e mitigação para as comunidades.